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Regras do Jogo

Mas Afinal, Qual A Definição De Jogo?

FernandoHCS 01/10/2019


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Definir jogo não é uma tarefa fácil. Uma das primeiras tentativas foi de Wittgenstein, que questionou, em certo ponto: ‘Alguém pode dizer que o conceito de jogo é um conceito com bordas desfocadas – mas um conceito desfocado é um conceito?'(LUDWIG WITTGENSTEIN, 1958). A quantidade enorme de definições existentes mostra que várias abordagens são possíveis, originando de áreas de conhecimento como a Filosofia, Sociologia, Computação, Narratologia, Ludologia e outras. [11]

Definir o jogo pode ser uma tarefa ingrata e árdua, exigente em diversos níveis, seja pelo método, etimologia, função, escopo ou chave teórica. Logo, este texto está longe de buscar um encerramento sobre o tema, oferecendo apenas um panorama de como o tema se encontra atualmente na literatura específica.

1. Jogo, game, play, ludus, paidia…

De acordo com Huizinga [7], os jogos existem antes mesmo do surgimento da espécie humana, estando presente em atividades de outros animais. Portanto, a priori surgiram os jogos, depois a linguagem e finalmente a narrativa. As comunidades sempre possuíram brincadeiras, formas de gastar energia e matar o tempo, se desafiar em jogos de destreza ou reflexo.

E como uma atividade natural as demais espécies além da humana, definir o jogo pode ser uma tarefa complexa visto que nem mesmo o objeto possui uma demarcação específica quanto ao seu nome em diversas línguas. Como Gonzalo Frasca [6] comenta, no inglês, existe uma ambiguidade na utilização de play e game, visto que ambos podem ser utilizados como substantivo ou verbo. Popularmente, convencionou-se a utilizar play como verbo e o segundo como substantivo.

Roger Caillois [3] propõe uma alternativa a este problema separando o game em um espectro gradual que iria do ludus, em um extremo, ao paidia, no outro extremo. O primeiro representaria uma atividade completamente desprovida de regras, um ambiente de improvisação, uma fantasia descontrolada. Ludus seria a realização de um ambiente totalmente controlado por regras.

Paidia e ludus como uma combinação de pelo menos duas dimensões. Adaptado de [2].

A relação entre play e game não se limita apenas ao seu papel ambíguo como substantivo ou verbo, mas podem ser entendidos como objetos sujeitos entre si. [9]

  • Game como subcategoria de Play: Se pensarmos em todas as atividades que poderíamos chamar de brincadeira [Play], de dois cães brincando de se perseguir no gramado, a uma criança cantando uma canção de ninar, ou uma comunidade de jogadores de RPG on-line, parece que apenas algumas dessas formas de jogo constituiria o que poderíamos pensar como um jogo[game].
  • Play como subcategoria de Game: A experiência de jogar [Play] é apenas uma das muitas maneiras de ver e entender os jogos [games]. Dentro do fenômeno mais amplo dos jogos [game], então, o jogar [Play] em um jogo [game] representa apenas um aspecto dos jogos [games].

Frasca [6] complementa:

Quando vemos games como objetos, os enquadramos como um sistema com elementos diferentes (regras, objetos como tokens, um espaço particular como o campo de jogo e o tempo de jogo). Nesse caso, play é considerado o combustível que mantém o sistema funcionando. Em outras palavras, play se torna, […] um “elemento” do sistema. […] há um problema com o fato de que o termo “game” é geralmente usado tanto para descrever o sistema de regras, espaço e objetos (como em “Papai me comprou um novo jogo”), bem como a própria atividade (como em “Acabei de participar de um jogo”). Por outro lado, “play” é geralmente usado para descrever jogos como atividades, já que é mais freqüentemente usado como um verbo relacionado ao objeto (“Ela jogou [played] o jogo[game]”) do que como um substantivo. Esse potencial viés em relação ao sistema pode ser problemático para a pesquisa de jogos, porque poderia privilegiar uma visão do conceito como um sistema em vez de reconhecer seus aspectos performativos.

Visto isso, definir o jogo se torna um desafio a partir de sua natureza mais básica, oferecendo diversas formas de se abordar o objeto de análise. Como apontado no início do texto, este artigo se propõe a fazer apenas uma revisão do tema, não suscitando uma definição própria.

Com isto, a seguir são descritas algumas definições presentes na literatura.

2. Definindo o jogo

O processo de definir o jogo, como já apontado, é complexo e possibilita abordagens diversas, que consideram jogo como estrutura, atividade performática e outros, a depender do meio acadêmico, como educação, sociologia, psicologia, comunicação etc. Visto esta diversidade, tornou-se comum conceituar os jogos fazendo, antes, uma pesquisa comparativa das demais definições, como vemos nos trabalhos de Juul [8], Salen e Zimmerman [9] e Frasca [6].

Para os propósitos deste artigo, faremos algo similar, apresentando definições de diferentes autores e analisando suas características.

Johan Huizinga

Para o historiador e teórico cultural Holandês Johan Huizinga [7], o jogo é uma atividade de grande importância no processo de formação de comunidades. Em seu livro Homo Ludens, o autor apresenta a ideia de “círculo mágico”, no qual demonstra que quando se participa de algum tipo de atividade de entretenimento, entra-se neste círculo, deixando para trás os problemas, preocupações e aflições do cotidiano, mergulhando em um outro universo:

O caráter especial e excepcional de um jogo é ilustrado de maneira flagrante pelo ar de mistério em que freqüentemente se envolve. (…) Dentro do círculo mágico, as leis e costumes da vida quotidiana perdem validade. [7]

Para o autor, jogar é:

[…]uma atividade livre, conscientemente tomada como ‘não-séria’ e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredos e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios semelhantes. [7]

Roger Caillois

Em seu livro Man, Play and Games, o sociólogo e filósofo francês classificou o jogo como uma atividade voluntária e ficcional, que ocorre em um tempo e espaço próprio, de resultado variável e improdutivo e estruturado por regras. [3]

Caillois também distinguiu quatro categorias de jogos que surgem a partir da sua classificação dos jogos no espectro ludus paidia [3]: 

  • Agon, ou competição. É a forma de jogo em que um conjunto específico de habilidades é posto à prova entre os jogadores (força, inteligência, memória). O vencedor é quem prova ter domínio dessa habilidade durante o jogo; Por exemplo, xadrez.
  • Alea, ou acaso, o oposto de Agon, Caillois o descreve como “a resignação da vontade, um abandono ao destino“. Se Agon usou as habilidades dos jogadores para determinar um vencedor, Alea deixa isso para a sorte, um agente externo decide quem é o vencedor. Como exemplo, máquinas de cassino.
  • Imitação (mimicri), mimese ou representação de personagens. O autor define como “quando o indivíduo joga para acreditar, para fazer a si mesmo ou a outros acreditarem que ele é diferente de si mesmo“. Ou seja, jogadores de RPG.
  • Ilinx (grego para “redemoinho”), ou vertigem, no sentido de alterar a percepção ao experimentar uma forte emoção (pânico, medo, êxtase), quanto mais forte é a emoção, mais forte se torna o sentimento de excitação e diversão. Experiência presente no uso de drogas alucinógenas, montanhas-russas etc.

Elliot Avedon e Brian Sutton-Smith

No livro The Study of Games, seus autores definem jogo como “[…]um exercício de sistemas de controle voluntário, nos quais há uma oposição entre forças, confinado por regras, a fim de produzir um resultado não estável.” [1]

Logo, sua definição apresenta os jogos como necessariamente envolvendo alguma forma de atividade física ou intelectual, livre e exercida pelo conflito entre os atores. Esta atividade esta circunscrita por regras que a separam do mundo real e tem como fim um resultado imprevisível.

Chris Crawford

O game designer e autor do livro The Art of Computer Game Design é um dos principais nomes que defende a classificação de jogos como uma forma de arte e em seu texto, a definição de jogo não se faz explícita.

Salen e Zimmerman sumarizam a definição do autor em quatro fatores comuns [9]: representação, como um sistema formal fechado, que subjetivamente representa um recorte da realidade; interação; conflito; e segurança, visto que o resultado do jogo é sempre menos severo do que as situações que o jogo modela.

Greg Costikyan

Game designer e autor de diversos artigos sobre games, um dos seus principais textos, I Have No Words and I Must Design, Costikyan define jogo como:

[…] uma forma de arte na qual os participantes, denominados jogadores, tomam decisões para gerenciar recursos por meio de tokens de jogo na busca de um objetivo. [4]

Muito influenciado por sua atuação em jogos digitais, sua definição dá mais ênfase na tomada de decisões por parte do jogador e no nível de interatividade do jogo. Sua acepção de jogo é uma das poucas que deixa de fora a noção de regras como elemento definidor. [4]

Salen e Zimmerman [9] ressaltam que sua definição tem cinco pontos principais: jogos como uma forma de arte; jogos centrados na tomada de decisão; jogadores devem gerenciar recursos; uso de tokens, ou seja, o meio pelo qual a interação é realizada; e o jogo como uma atividade orientada por um objetivo.

Salen e Zimmerman

Em Rules of Play, um dos livros mais influentes na academia, seus autores realizam uma revisão das diversas definições de jogo, destacando seus elementos principais a fim de organizar sua própria definição.[9]

A partir disto, os autores definem jogo como: “[…] um sistema no qual jogadores engajam-se em um conflito artificial, definido por regras, que resultam em um resultado quantificável.” [9]

Neste sentido, os elementos principais desta definição são [9]:

  • O jogo como um sistema;
  • O jogo é uma atividade realizada por jogadores interagindo com o sistema;
  • Como atividade necessariamente artificial, separada em tempo e espaço, mesmo que ocorra dentro do mundo real;
  • Todo jogo deve apresentar um conflito, podendo ser entre jogadores ou de forma cooperativa, contra o sistema ou em um ambiente social, como em jogos online;
  • Todo jogo é governado por regras, que delimitam o que o jogador pode ou não fazer;
  • E deve-se sempre existir um resultado quantificável, havendo estado de vitória e derrota ou uma pontuação numérica.

Segundo os autores [9], tal definição se aplica tanto a jogos digitais, como qualquer outra forma de jogo ou esporte.

Jasper Juul

Juul é designer de jogos, educador e teórico dinamarquês no campo dos estudos de videogame. Em seu artigo The Game, the Player, the World – Looking for a Heart of Gameness, o autor elenca diversos elementos que considera importantes na definição de jogos [8]:

  • Regras: jogos são principalmente um sistema de regras;
  • Resultado variável e quantificável: jogos têm resultados quantificáveis e variáveis;
  • Valorização do resultado: diferentes resultados potenciais do jogo recebem valores diferentes, como positivo ou negativo;
  • Esforço do Jogador: o jogador investe esforço com objetivo de influenciar o resultado;
  • Vínculo do jogador ao resultado: o jogador está emocionalmente vinculado ao resultado final do jogo, acarretando satisfação ou insatisfação dependendo do valor do resultado;
  • Consequências negociáveis: o mesmo jogo (mesmo sistema de regras) pode ser jogado com ou sem consequências na vida real.

Deste modo, sua definição de jogo fica assim:

Um jogo é um sistema formal baseado em regras, com um resultado variável e quantificável, no qual diferentes resultados são atribuídos por diferentes valores, o jogador empenha esforço a fim de influenciar o resultado, o jogador sente-se vinculado, e as consequências da atividade são opcionais e negociáveis. [8]

Gonzalo Frasca

Frasca é game designer e pesquisador acadêmico com foco em jogos sérios e políticos. Em sua dissertação Play the Message – Play, Game and Videogame Rhetoric, o autor [6] investiga as formas com a qual games transmitem significados, trazendo um maior enfoque na performance do jogador. Sua abordagem na definição de jogo é centrada no jogo como uma forma de atividade (play), neste sentido, sua definição trata o que é o jogar (play).

Deste modo, jogar é:

[…] para alguém uma atividade engajante na qual o jogador acredita ter participação ativa e o interpreta como restringindo seu futuro imediato a um conjunto de cenários prováveis, os quais ele está disposto a tolerar. [6]

Assim, alguns pontos de sua definição podem ser expandidas [6]:

  • Jogar é subjetivo, ao passo que uma série de atividades pode ser compreendida pelo jogador como um jogo e uma outra pessoa ter uma noção diferente;
  • Jogar é engajante, de modo que é entendido como envolvente e atrativa aos envolvidos. O autor utiliza o termo no lugar de “diversão” para evitar a acepção positiva da palavra, que nem sempre se aplica ao jogar;
  • Jogar é uma atividade que exige um certo “estado de mente” e pode incluir uso de objetos;
  • Jogadores acreditam em sua participação dentro do jogo, mesmo que ela não influencie o resultado final, como em um jogo de sorte;
  • Jogadores estão dispostos a tolerar todos os possíveis resultados de um jogo dentro de uma estrutura rígida de regras. Deste modo, o jogar se torna a habilidade de agir livremente dentro de determinados limites;
  • Jogar limita o futuro imediato. Ou seja, jogar é restrito a uma série de ações possíveis dentro de um sistema.

XEXÉO et al.

No artigo O Que São Jogos, do grupo de pesquisa LUDES, os autores propõe uma abordagem que compreenda o jogo como um objeto de estudos que pode ser abordado de formas diferentes pelo pesquisador, como jogo-ideal, jogo-atividade, jogo-artefato e jogo-partida.

Isso permite aos autores uma definição para cada escopo, porém utilizaremos sua definição de jogo-ideal, que busca reunir diversos elementos que autores anteriores aplicaram em suas concepções de game, fornecendo um modelo teórico base para estudos futuros que se mostra interessante ao compreender o jogo como um artefato vasto. [11]

Jogos são atividades sociais e culturais voluntárias, significativas, fortemente absorventes, não-produtivas, que se utilizam de um mundo abstrato, com efeitos negociados no mundo real, e cujo desenvolvimento e resultado final é incerto, onde um ou mais jogadores, ou equipes de jogadores, modificam interativamente e de forma quantificável o estado de um sistema artificial, possivelmente em busca de objetivos conflitantes, por meio de decisões e ações, algumas com a capacidade de atrapalhar o adversário, sendo todo o processo regulado, orientado e limitado, por regras aceitas, e obtendo, com isso, uma recompensa psicológica, normalmente na forma de diversão, entretenimento, ou sensação de vitória sobre um adversário ou desafio. [11]

3. Conclusão

O jogo como artefato de estudo sempre se mostrou complexo e diverso, é um elemento presente em atividades de muito animais [7] e consegue tomar muitas formas diferentes. Jogos podem ser compreendidos como atividade ou objeto, e cada escopo oferece oportunidades de abordar o game de um modo que encaixe na proposta da pesquisa.

Encarar os jogos como uma atividade significa aborda-lo como um artefato centrado no homem e pode ser útil em áreas que estudam o comportamento do jogador, como sociologia e psicologia. Jogos como sistema tem aplicações mais praticas dentro do game design. Como aponta Frasca [6], essa separação possui sua utilidade, mas ignora muitas características de um aspecto do jogo em prol de outras, o que pode levar a um entendimento limitado do artefato.

Embora este artigo não ofereça uma definição própria, fica claro que a diversidade de formas que o jogo e o jogar tomam pede por uma abordagem particular de cada estudo, porém aconselha-se que o escopo seja definido com atenção a própria multiplicidade de formas do artefato, de modo a obter uma melhor perspectiva conforme o objetivo de pequisa.

4. Referências

[1] Avedon, E. M., & Sutton-Smith, B. (1971). The study of games. John Wiley & Sons.

[2] Broer, J. (2017). The Gamification Inventory: an Instrument for the Qualitative Evaluation of Gamification and its Application to Learning Management Systems (Doctoral dissertation, Universität Bremen).

[3] Caillois, R. (2001). Man, play, and games. University of Illinois Press.

[4] Costikyan, G. (1994). I have no words and I must design. Interactive Fantasy# 2. British roleplaying journal.

[5] Crawford, C. (1984). The art of computer game design.

[6] Frasca, G. (2007). Play the message: Play, game and videogame rhetoric. Unpublished PhD dissertation. IT University of Copenhagen, Denmark.

[7] Huizinga, J. (1971). Homo ludens: o jogo como elemento da cultura (Vol. 4). Editora da Universidade de S. Paulo, Editora Perspectiva.

[8] Juul, J. (2003). The Game, the Player, the World: Looking for a Heart of Gameness. In Level Up: Digital Games Research Conference Proceedings, edited by Marinka Copier and Joost Raessens, 30-45.Utrecht: Utrecht University.

[9] Salen, K., & Zimmerman, E. (2003). Rules of play: Fundamentals of game design. MIT Press Cambridge.

[10] Suits, B. (2014). The Grasshopper-: Games, Life and Utopia. Broadview Press.

[11] Xexéo, G., Carmo, A., Acioli, A., Taucei, B., Dipolitto, C., Mangeli, E., … & Garrot, R. (2017). O Que São Jogos: Uma Introdução ao Objeto de Estudo do LUDES. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

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