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Umurangi Generation: A Última Geração Que Deve Assistir O Mundo Morrer

FernandoHCS 26/01/2021


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Um dos tropos mais comuns no videogame e que é frequentemente usado como apologia às características distintas da mídia é sua capacidade de fazer a jogadora se sentir capaz de realizar muitas coisas, é a famosa fantasia de poder, presente na maioria das franquias com algum protagonista homem, hetero e branco.

Há algum tempo defendo que precisamos reimaginar o videogame como aparato de expressão e que essa mudança precisa ser operada nos elementos mais recorrentes da indústria. Leia-se jogos de tiro, fantasias de poder e qualquer outro gênero que reforce a cosmogonia neoliberal. Kentucky Route Zero é um jogo que faz isso muito bem ao falar sobre como pessoas simples devem lutar para sobreviver nessa realidade precarizada, mas outro jogo que toma uma via mais fatalista e abraça o fim do mundo que o Capital está nos levando é Umurangi Generation.

Criado por Tali Faulkner em menos de um ano, o desenvolvedor Maori relata que a ideia do jogo surgiu de suas frustrações com modo com o qual o governo da Austrália lidou com os incêndios no início de 2020, assim como o alastramento da pandemia de Covid-19. Tendo trabalhado com aplicativos junto à comunidades Aborigines, Umurangi Generation é assumidamente decolonial e crítico ao neoliberalismo, e isso fica claro nos temas que o game toca.

Como disse anteriormente, eu venho buscando cada vez mais jogos que se descolam do foco em um protagonista que aponte para um Übermensch, para jogos que ofereçam uma perspectiva mais humana. Se existem jogos de guerra, que sejam como This War of Mine que nos coloca na pele de pessoas comuns tentando sobreviver em meio à um conflito, se é um jogo sobre o fim do mundo, que seja um jogo como Umurangi Generation, que nos coloca na pele de um fotógrafo, que junto de seus amigos, irá testemunhar e registrar a convulsão social e resistência popular em um mundo condenado.

Com inspirações que vão de Neon Genesis Evangelion a Jet Set Radio, Umurangi Generation se passa em Tauranga, Aotearoa (nome Maori da Nova Zelândia), onde a jogadora deve tirar uma série de fotos conforme uma lista que seu empregador encomendou. Você sempre está acompanhada de seu grupo de amigos: Micha, Atarau, Kete e um pinguim sem nome. Em cerca de 10 mapas diferentes, a jogadora conhecerá a cena local de jovens ociosos, a ocupação do território pela Organização das Nações Unidas, a resistência da população, locais de evacuação e até mesmo uma zona de conflito.

Ter uma câmera para capturar momentos sui generis desse mundo, ou para apenas juntar seus amigos para uma foto em grupo, se apresenta como um ato de genuína resistência, uma ousadia de se divertir e curtir um tempo com seus amigos, mesmo que o mundo vá acabar. Talvez o ponto mais diferente de Umurangi Generation seja uma atitude nem um pouco niilista, ou de uma “letargia hedônica”, como diria Mark Fisher sobre seus alunos. O que temos aqui me parece um compromisso com a resistência por mais que o fim seja certo.

A protagonista possui um trabalho precarizado de fotógrafa, característica principal dessa nova “Economia do Bico” (Gig Economy), o governo é praticamente de fachada e a ONU promove um neocolonialismo na região, ao mesmo tempo que a população deve se proteger de uma misteriosa pandemia e uma invasão alienígena está em curso. Apesar de tudo isso, a resistência é papável nos grupos que ocupam as ruas, nos grafites com palavras de ordem contra a ONU e na ousadia de apenas curtir o momento. E é neste ponto que acredito que Umurangi Generation oferece aquilo que Mark Fisher entendia como essencial para as esquerdas se renovarem: uma nova política libidinal, a fundação de uma nova imaginação que aponte para um futuro.

O Realismo Capitalista tomou nossa capacidade de sonhar com algo melhor e nos formatou nesse sujeito contemporâneo cínico que odeio o mundo, mas é incapaz de agir porquê todas as formas de ação foram lhe tiradas do horizonte de possibilidades. É por isso que Fisher advogava por uma refundação da esquerda pela via do desejo e a última geração que deve assistir o mundo morrer de Umurangi Generation nos mostra que mesmo diante do fim iminente, podemos resistir, combater o fascismo, curtir com os amigos, fumar um baseado e tirar fotos cheias de estilo.

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